19 de abril de 2024

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Fed, Jackson Hole, leilões do Tesouro Nacional: o que mexe com os juros agora e como isso afeta a renda fixa?

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Juros recuaram após reunião do Copom, mas voltaram a subir nos últimos dias; percepção de que taxas nos EUA avançarão mais em setembro pesa

A sinalização dada pelo Banco Central na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), de que a Selic deverá se manter em 13,75% ao ano por mais tempo, provocou uma reviravolta na curva de juros e fez as taxas despencarem no último mês.

Movimentos externos recentes, porém, operaram no sentido contrário nos últimos dias, levando a ajustes nos juros, que voltaram a subir. Entre os fatores que impulsionaram a alta recente estão a percepção de agentes financeiros de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) terá que adotar uma postura mais dura para conter a inflação no país, elevando os juros em 0,75 ponto percentual na sua reunião de política monetária marcada para setembro.

Nesta quinta-feira (25), por exemplo, o mercado enxergava 62,5% de chance de que o Fed fizesse uma elevação mais agressiva – de 0,75 ponto percentual – nos juros americanos, contra 37,5% de apostas em uma alta de 0,50 ponto, de acordo com o CME Group. Uma semana atrás, o cenário era o oposto: mais da metade dos analistas via a subida de 0,50 ponto como a mais provável.

A política monetária americana interfere nos movimentos dos juros no Brasil. Se os juros subirem mais do que o esperado nos Estados Unidos, é esperado que os retornos dos títulos públicos do país (treasuries) também avancem, diz Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa para pessoa física do Itaú BBA.

A tendência, afirma Queiroz, é que isso incentive um fluxo maior de investimentos para a renda fixa pública americana e prejudique os fluxos para os títulos públicos brasileiros, o que pode levar as taxas dos papéis negociados no Tesouro Direto, por exemplo, a subir mais para atrair investidores.

“Uma subida dos juros lá nos Estados Unidos deve proporcionar um avanço do dólar em relação ao real e uma elevação das taxas no Brasil”, defende o estrategista.

Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital, vai na mesma linha e se mostra especialmente preocupado com a subida do rendimento do papel americano (treasury) de dez anos, que fechou em 3,109% na quarta-feira (24). “Se o título começar a caminhar para 3,5% ao ano, isso pode contaminar a curva de juros no Brasil”, observa.

O efeito Jackson Hole

Diante das apostas de elevação maior dos juros americanos, também ganhou destaque na agenda o início do simpósio de Jackson Hole – evento que reúne, a partir desta quinta-feira (25), autoridades monetárias de todo o mundo. O discurso mais aguardado é o de Jerome Powell, presidente do Fed, na sexta-feira (26), em que poderá sinalizar os próximos passos da política monetária americana.

A declaração de Powell será especialmente importante porque os discursos de dirigentes da autoridade monetária não têm sido muito claros sobre a direção – ora apontando para um aperto mais duro, ora para um ajuste menos agressivo, na avaliação de especialistas ouvidos pelo InfoMoney.

Queiroz, do Itaú BBA, avalia que o Fed tem gerado volatilidade nos mercados ao adotar uma “comunicação errática”. “O discurso é dovish [menos inclinado ao aperto monetário], mas o ajuste é duro, com altas de 75 bps [0,75 ponto percentual]”, diz. “O Fed tem sido fonte de instabilidade. Ele deveria seguir com o seu papel, que é guiar os mercados. Por isso, o discurso agora deve ser duro em Jackson Hole, porque a meta de inflação é de 2%”.

Portella, da Novus, por outro lado, acredita que Powell deverá adotar um discurso ambíguo, antes de ver os próximos dados sobre inflação. “Temos visto dados que mostram que a expectativa do empresário está se deteriorando, ao mesmo tempo que os números de atividade real, como vendas no varejo, estão fortes. O Fed deve aguardar outros índices de inflação”, afirma.

E a inflação no Brasil?

Os agentes do mercado estão mais focados na situação do Estados Unidos do que propriamente na do Brasil para estimar para onde vão os juros locais porque os índices de inflação de curto prazo no País viraram “coadjuvantes”, segundo Queiroz, do Itaú BBA.

“Eles perderam um pouco de relevância a partir do momento em que o Banco Central se mostrou mais atento ao longo prazo, com o foco [das decisões de política monetária] no primeiro trimestre de 2024, do que ao curto prazo”, observa.

Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, quando elevou a taxa Selic para 13,75% ao ano, a autoridade disse que optou por dar “ênfase à inflação acumulada em 12 meses no primeiro trimestre de 2024”. Na justificativa, disse que adotar esse horizonte relevante tenderia a suavizar os efeitos decorrentes de mudanças tributárias de curto prazo.

A divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) ontem, com uma deflação de 0,73% em agosto, acima que o esperado, não parece ter alterado a visão predominante entre agentes financeiros, de que o BC já encerrou o ciclo de alta dos juros.

Atualmente, o mercado estima que há 78% de chance de manutenção da Selic em 13,75% na reunião de setembro, contra 17% de apostas numa elevação de 0,25 ponto, mostram os contratos de opção de Copom negociados na B3 ontem.

Embora alguns dados do IPCA-15 tenham vindo piores do que o esperado, com destaque para alimentação no domicílio, analistas do Itaú defenderam que alguns itens como leite devem registrar alívio na margem nos próximos meses, o que deve contribuir para uma deflação desse grupo daqui para frente.

Além disso, a expectativa é que os preços de bens industriais, que surpreenderam para cima neste mês, desacelerem de uma forma expressiva nas próximas medições, conforme pontuaram os profissionais.

“Os dados são consistentes com a nossa leitura de gradual desinflação nos próximos meses. Nossa projeção para o IPCA segue em 7% para este ano”, destacaram os especialistas do Itaú em relatório.

A volta dos estrangeiros aos leilões do Tesouro Nacional

Além de movimentos externos, outro fator que ajudou a pressionar a curva de juros para cima nos últimos dias foi o aumento da demanda por títulos públicos em leilões do Tesouro Nacional.

O recuo – ainda que artificial da inflação – e a sinalização de que o Banco Central encerrou (ou está prestes a terminar) o ciclo de alta da Selic ajudou, inclusive, a alterar um pouco o perfil dos participantes dos leilões, com a volta de estrangeiros.

Na prática, os leilões de títulos públicos realizados pelo Tesouro Nacional representam uma fonte importante para o financiamento da dívida pública.

Apenas instituições que estão cadastradas no Sistema de Liquidação e Custódia (Selic) podem participar deles. Quem adquire títulos de dívida emitidos pelo governo está emprestando dinheiro para financiar a máquina pública e recebendo juros como forma de recompensa por esse empréstimo.

Queiroz, do Itaú BBA, afirma que o Brasil está com um nível de juros elevado, os preços das commodities subiram um pouco, mas seguem bem mais baixos do que no início do ano, e o dólar tem recuado em relação ao real, o que tende a gerar menores pressões inflacionárias no curto prazo.

Na sua visão, diante desse cenário, o investidor estrangeiro passa a ver uma janela de oportunidades para alocar em títulos prefixados no País, pois no Brasil a discussão já começa a ser sobre quando os juros passarão a recuar – ao contrário de outras economias desenvolvidas, que iniciaram o aperto monetário bem mais tarde.

“O estrangeiro está vindo em busca da taxa real, que segue atrativa no país. Para ele, o cenário eleitoral fica um pouco de lado e o foco está mesmo nas taxas”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.

Na semana passada, por exemplo, o Tesouro Nacional registrou o melhor leilão do ano. O volume de negociação de títulos prefixados alcançou R$ 16,2 bilhões – montante que foi integralmente aceito pelo mercado e que ressaltou o movimento de queda nas taxas de juros negociadas pela quinta semana seguida.

Apesar de a demanda nos leilões seguir forte, o Tesouro Nacional tende a diminuir a oferta nos próximos dias, por causa da subida dos rendimentos oferecidos por títulos de outros países, como Estados Unidos, pondera Portella, da Novus. “O Tesouro está aproveitando para captar, porque a janela está boa para emitir. O país vai entrar em período eleitoral em breve”, diz.

Na prática, os últimos leilões têm sido de rolagem, ou seja, o objetivo do Tesouro Nacional é realizar a troca de títulos com vencimento mais curto por ativos mais longos de mesma indexação. Isso ocorre especialmente quando há muitos vencimentos concentrados no curto prazo.

O gestor da Novus lembra que, no começo da semana passada, houve o vencimento dos títulos atrelados à inflação com prazo de 2022 (NTN-B 2022). Nos próximos dias, haverá o vencimento de títulos pós-fixados atrelados à Selic (LFTs) e de prefixados (LTN) em outubro.

Além da maior presença de estrangeiros nos leilões, investidores de fora têm voltado a alocar capital na Bolsa brasileira. Segundo a B3, o ingresso líquido de investimentos de estrangeiros no mercado secundário totalizou R$ 17,6 bilhões em agosto, até a última segunda-feira (22). No ano, o saldo positivo chega a R$ 71,3 bilhões.

“Todo cuidado é pouco”

Embora o investidor externo esteja voltando a aportar por aqui e as apostas estejam concentradas em um cenário de manutenção da Selic na reunião de setembro, o momento é de cautela e o investidor deve privilegiar a alocação em ativos pós-fixados atrelados à Selic ou ao CDI (taxa de referência da renda fixa), sugere Queiroz, do Itaú BBA.

“Temos uma grande alocação em pós-fixados. Ninguém consegue acertar o timing [melhor momento] de tudo”, avalia. “Períodos eleitorais costumam ter volatilidade e precisamos ter liquidez para aproveitar barganhas”.

Atualmente, na carteira recomendada de títulos públicos da casa, 60% da alocação está no Tesouro Selic 2025, seguida por uma posição de 15% em Tesouro IPCA+ 2026, além de 10% em Tesouro IPCA+2035 e Tesouro Prefixado 2025. Por último, a casa sugere uma exposição de 5% ao Tesouro Prefixado 2029. “Estamos navegando ainda com baixa visibilidade, todo cuidado é pouco neste momento”, observa Queiroz.

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